terça-feira, 29 de julho de 2014

O ciclo da vida

Desde que comecei a estudar veterinária, perguntei-me muitas vezes quando eu finalmente sentiria que estava no caminho do meu coração. Foram escuros os dias em que temi jamais senti-lo. Uma escolha impensada, eu achava, impulsionada por um desejo infantil, que não seria suficiente para abraçar a profissão de toda a minha vida.

Duas semanas atrás, estava eu às cinco e meia da manhã na estação Artur Alvim, carregando uma mala, uma bolsa e uma mochila, que a custo comportaram tudo que eu queria levar. Mais tarde, naquele mesmo dia, desfazia-as todas no meu novo quarto. Um quarto que, mal sabia eu, guardaria muitas lembranças deliciosas, e uma saudade maior que aquele campus inteiro. Onde eu faria novas amigas (e o Kateta), e estreitaria os laços com as que já possuía. Onde, juntas, escreveríamos poemas de versos terminados em "eco", gritaríamos de medo, riríamos de faltar ar, aprenderíamos dança do ventre. E comeríamos. Pra cacete.

O sol nascia num vermelho sanguíneo de encher os olhos, emoldurando a silhueta dos cavalos recém-despertos, uma visão tão gentil que compensava nossos protestos por ter de colocar o despertador para tocar antes das seis. A dor muscular advinda* de cavocar silagem com a enxada, ou carregar baldes de ração, sumia quando os víamos comendo com gosto. Andaríamos várias centenas de metros com prazer, só pra não abandonar o Mickey na estrada. Tudo era gostoso, não havia nada que fizéssemos juntos que não valesse a pena. Eu sinto falta disso. São Paulo nos torna muito individualistas, chutando-nos cada um pra um canto. A gente acaba perdendo um pouco aquele sentimento gostoso de ser parte de um grupo.

Foi Pira o palco da descoberta que várias vezes me trouxe lágrimas aos olhos: Os animais estão todos vivos! Soa óbvio, eu sei, mas essa consciência me acertou como um raio. Aqueles olhos, tão cheios de expressão e personalidade, refletiam a mim mesma. Lá estava o feno, que alimentaria o boi. Lá estava o boi, que me serviria de alimento. E, um dia, quando eu morrer, afundarei na terra e ressurgirei como planta, tomando meu lugar no ciclo. Todos temos tempo de ser presa e predador, inclusive as plantas e os humanos. Tudo se transforma, tudo é feito de uma sopa de átomos emprestados. E foi aí que, com o coração a mil, enxerguei a beleza da minha escolha, e o amor pelo que um dia farei.

Sinto falta das estrelas surreais, da palavra-com-A, da guerra de bosta, dos cabritinhos, do Miltinho, da Sharon, do Jafar, do cheiro de cu. E daquela moda, e do C8, e das cococoisas. Mas, acima de tudo, sinto falta de estar com vocês. Aprendi tanto sobre amizade, afeto, convivência e sobre mim mesma nessas duas semanas que mal consegui colocar nesse texto. Quero terminar dizendo que NÃO VEJO A HORA DE PASSAR UM SEMESTRE COM VOCÊS! De preferência, com a presença de um amigo que fez uma falta gritante (saudades, bandeco). 

Obrigada pela parcela enorme de culpa que têm por essas terem sido as melhores férias de todas. E aproveitem esse gostinho de descanso que ficou no fundo da língua.

*adicionem "advinda" à lista que já contém "ousados", "exposta", "frustrada", "precária", "tristonha", etc.


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