quinta-feira, 21 de abril de 2016

O véu da estação

Dizem ser no outono que as árvores começam a despir-se de suas folhas para dar lugar a novas. É um conceito meio eurocentrista. Em terras tupiniquins, torna-se abstrato. O que é o outono paulistano atual senão uma queda notável da temperatura, ares mais secos e uma sensível melancolia no ar?

Não há motivo, nem necessidade de havê-lo. Cheiros, cores e sabores estão o tempo todo a trazer de volta cenas do passado. O contorno desalinhado dos prédios faz lembrar uma terra distante que nunca existiu. O sol brilha no mar de rostos, como faz todo santo dia... Mas, não, agora é diferente. Agora cada alma se ilumina, um universo inteiro preso num pequeno corpo de carne. As borboletas pousadas nas pedras abrem e fecham lentamente suas asas, com um aceno compreensivo. Os violões choram, emocionados, a ouvir seu próprio som. Cada ser parece sentir em dobro, expressar-se em dobro. Cada riso é melódico, cada lágrima reluz furta-cor, a garganta constantemente enovelada. As folhas ensaiam coreografias, brotam com graça, espreguiçam-se no ar.

É tempo de silêncios prolongados e olhares carregados de sentidos. É a hora em que as pessoas contam segredos nos mais pequenos gestos. O pássaro cansado a incendiar-se, apenas para renascer das cinzas.

Quem sabe não sou apenas eu. Vai ver fora da minha cabeça os dias estão passando sem qualquer alteração, segundos a fazer girar o ponteiro dos minutos e das horas numa dança infinita e compassada. Vai ver o mundo ainda é mais ou menos o mesmo e quem mudou foram estes olhos que o observam.

É tempo de caírem as folhas, sem medo ou remorso. É o outono melancólico de uma alma a despir-se.