sábado, 14 de dezembro de 2013

Casa na árvore

"Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque ela está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos"

Vicente de Carvalho


Ah, meu amigo Vicente, como estava enganado ao escrever seu Velho Tema. O poema que ainda há pouco era o meu favorito, que me abriu as portas ao mundo da poesia, que baseou meus conceitos e regeu minhas decisões mais íntimas, está errado. 

Minha árvore milagrosa sempre pareceu estar ali, à espera. Eu sabia que, se desse mais um passo, poderia enfim tocá-la. Andei muito (oh, como sou velha e cansada), de vários jeitos e em várias direções. Pulei, voei e, quando parecia que eu tinha um de seus pomos na mão... Ele se esvaía, como um sonho, e virava uma lembrança boa. Eu não conseguia por minha árvore em lugar algum. Um dia, dei-me com as palavras de Vicente de Carvalho, e encontrei um conforto típico de quem sente que não tem escolha: as coisas são assim, e pronto. Eu jamais a alcançaria. Não precisava mais culpar-me por não conseguir.

Houve, porém, um momento. Breve, coisa de alguns minutos. O espanto me acertou em cheio, direto no alvo, quando tive consciência de que eu estava plenamente feliz. Essa lembrança me acompanha desde então, quando estou lavando louça, ou cortando a carne, ou escovando os dentes, e abro um sorriso cheio de pasta. Ele estava errado! Não só toquei a árvore, eu a agarrei com unhas e dentes, e não pretendo soltá-la nunca mais. Agora que sei que ela existe, colherei seus pomos e os porei em todos os pedacinhos da minha vida. Morarei na árvore para sempre.

Parem as editoras! Queimem as antologias! Rasguem todos os Velhos Temas, escondam-nos das crianças!


Coitado de você, querido Vicente, que nunca se sentiu assim.