quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Das pessoas que não conheci

Entro no metrô na estação Patriarca. O horário e o dia da semana permitem que eu amplie consideravelmente o raio do meu espaço pessoal. Acho um canto onde possa passar despercebida, coloco os fones de ouvido e, incomunicável, concentro-me em copiar a expressão neutra e distante dos meus companheiros de vagão. Como um camaleão, assumo a aparência da parede às minhas costas. Viro paisagem.

É aí que sinto algo quente e macio no meu braço. Constato, espantada, que é calor humano. Um bebê, sentado no colo da mãe, mexe curiosamente nas minhas pulseiras. No mesmo instante, abro aquele sorriso bobo que só bebês e animais arrancam da gente. Ofereço-lhe um dedo, que ela toma entre as mãozinhas. Tudo lhe é comoventemente novo e encantador. Sem olhar pra mim, a mãe puxa o braço da menina. Tenho vontade de dizer “Não está incomodando!”, mas as palavras param na metade do caminho. 

Entra um homem alto, de terno, carregando uma pasta, e para bem de frente pra mim. Seu olhar encontra o da menina, e o sorriso bobo aparece nele também. Será que o bebê o fazia lembrar de alguém? Talvez de sua própria filha? De sua irmã caçula? Penso em perguntar o que está tocando nos seus fones de ouvido, mas nada falo. Desço na estação Sé.

Dúzias de pessoas atravessam meu caminho; desvio de cada uma delas. Ninguém parece perceber minha presença, de qualquer forma. Estão todas concentradas em passarem despercebidas, tentando seguir seu trajeto sem cruzá-lo com o de ninguém. Sinto um cutucão no braço – é um rapaz se oferecendo para segurar minha bolsa. Digo-lhe que já vou descer, ainda que faltem seis estações, por um receio estúpido e infundamentado de interagir com outros seres de minha espécie. 

O trem volta a andar justamente no momento em que me preparo para sentar num banco vazio: caio na senhora ao lado. Ela, assustada por ser chamada de volta de seu mundo interno, abre uma carranca, que se dissolve poucos segundos depois, quando ela (ao som de uma profusão de pedidos de perdão da minha parte) processa o ocorrido. Antes que eu junte coragem suficiente para dizer-lhe que gostei da sua camiseta, o trem para e ela desce. Não sem quase cair em cima de mim, devo acrescentar.

Em menos de uma hora, tive a chance de conhecer tantas, tantas pessoas, e a única à qual dei ouvidos foi Dave Matthews, que cantava pelos meus fones. De quantas informações me privei? Em que medida deixei de conhecer pessoas valiosas em prol de minha própria segurança? Sei que nem todo mundo é bem intencionado. Sei que muitos poderiam interpretar uma iniciativa de conversa como interesse sexual, por mais absurdo que isso me pareça. Mas não é nada disso. É curiosidade, é vontade de ampliar o conceito turvo e subnutrido que tenho do que é a vida.

Chego ao meu destino. Avisto-o, e nada mais penso sobre o metrô ou as pessoas que não conheci. Sorrio.

Um comentário:

  1. Uau, algumas vezes fico pensando algo parecido no metrô. Olho as pessoas e tento saber quem elas são, apenas me baseando em suas expressões momentâneas. Claro que os erros de inferência diminuiriam caso as conversas imaginárias fossem iniciadas.

    Belo texto. Belo final.

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